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Apontamentos

Isto não são críticas. Nem são recensões. São apenas breves apontamentos sobre as minhas últimas leituras de cabeceira.
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DARK REIGN: SINISTER SPIDER-MAN #1

Chris Bachalo é um artista único. Numa indústria povoada por desenhadores sem qualquer identidade e que não passam de imitações geralmente baratas uns dos outros, Bachalo é uma lufada de ar fresco com o seu estilo expressionista caricatural e a sua composição de página dinâmica mas legível (pelo menos de há uns anos para cá, depois de assentar de vez o vício dos destroços flutuantes).

As cores - que partilha com Antonio Fabela - são soberbas, com recurso a uma palete sóbria e contida em que muitos pseudo-coloristas da indústria deveriam pôr os olhos para perceberem de vez que não passam de técnicos glorificados de photoshop; eles e os editores ignorantes que os glorificam e que lhes dão trabalho.

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DARK AVENGERS/UNCANNY X-MEN: UTOPIA

Utopia representa tudo de errado que persiste em boa parte dos comics de super-heróis das grandes editoras. Pegue-se em Marc Silvestri, um artista datado e bafiento que nunca percebeu que os anos 90 terminaram há 10 anos, junte-se quase uma dúzia dos seus clones / colaboradores / seguidores da Top Cow numa orgia de lábios com colagénio, e polvilhe-se com um Matt Fraction desenquadrado, desinspirado e banalizado. Este não é, decididamente, o Fraction de Casanova, o Fraction de Immortal Iron Fist, nem sequer o Fraction de Invincible Iron Man; é antes um Fraction resignado à sorte de escrever para um narrador incapaz como Silvestri.

O resultado é um início enfadonho e penoso de um crossover que devia ter acção, criatividade, ideias e brilho; mas brilho, aqui, só mesmo o do colagénio.

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DETECTIVE COMICS #854

Batwoman estreia-se como personagem principal em Detective Comics. Batwoman é lésbica. E Greg Rucka escreve bem, mas até um macaco o faria, se tudo isto não fosse irrelevante perante a arte de J.H. Williams III. Repito: a história está bem escrita, mas honestamente acho que seria capaz de a ler mesmo que narrasse "As Aventuras de Manoel de Oliveira"; Williams é hoje em dia, a brincar, um dos 2 ou 3 artistas de topo na indústria. Digo mais, até: em termos de inovação na composição e na procura de novas soluções gráficas com as técnicas mistas que usa, é, de longe, o maior.

E não me sai da cabeça que um dos estilos que usa (o de linha clara, aplicado nas cenas civis de Kate Kane) é uma homenagem e uma forma de perpetuar a obra do falecido amigo (dele e meu) Seth Fisher, um visionário que partiu quando mal tinha começado a mostrar toda a genialidade que habitava aquela mente inquieta e desafiadora.

Detective 854 é um comic book exemplar; um modelo no design, na arte, nas cores sublimes do incomparável Dave Stewart; um exemplo até na forma como fazer bem o revamp de um título, enquadrado neste caso no revamp de todo um franchise. E é com esse franchise e o seu flagship title que concluo a seguir...

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BATMAN AND ROBIN #2

Grant Morrison e Frank Quitely. Não será certamente por acaso que as opiniões sobre a marcante dupla escocesa têm sido sempre tão polarizadoras ao longo dos anos. A inovação e a irreverência têm um preço, e estar um passo (ou bastantes mais) à frente significará sempre que grande parte da potencial audência não irá absorver ou atingir vozes autorais tão características.

Em meia-dúzia de linhas, Morrison mostra o que o distingue: só ele para pôr Dick Grayson a falar em calão circense europeu! E parece tão óbvio, algo que deveria ser tão único da personagem; porém, é a primeira vez que algum argumentista o faz. Receio que venham aí tentativas infrutíferas de imitação...

Sobre Frank Quitely, há quem prefira falar dos queixos esquisitos e das mulheres feias (se a Lois Lane dele era feia, eu sou o Shrek...). Pessoalmente, deslumbra-me mais tudo o resto, como aliás Quitely faz questão de me lembrar ao longo de toda esta edição: a claridade, a limpeza, a coreografia perfeita de cada vinheta (os combates deste número são, muito provavelmente, a melhor cena do estilo que já li na vida); a fluidez e naturalidade das expressões corporal e facial de cada personagem; e não há melhor acid-test ao verdadeiro talento de um artista, que a, aparente, facilidade com que desenha, bem, a figura humana. Diria, aliás, que é essa aparente simplicidade da arte de Quitely que o torna tão alienígena aos olhos de muitos leitores mais habituados (demasiado, diria) ao excesso de linhas e à sobrecarga da utilização do espaço de cada página.

Digo, repito, e volto a insistir: desenhar bem não é ter um traço bonitinho ou perfeitinho (por importante que isso seja); desenhar bem é dominar as vertentes tecnicas e aplicá-las de forma estilizada e personalizada, mesclando a contento o estilo do próprio artista com o enquadramento narrativo das personagens e situações que desenha. Veja-se o Clark Kent, tosco e curvado, de All Star Superman, veja-se o Batman (Dick Grayson), atlético e acrobático, em Batman and Robin; cada um tem uma linguagem corporal própria, uma forma totalmente distinta de ser desenhado por Frank Quitely. E depois vêm dizer que "as caras dele são todas iguais"? É que só me apetece dizer...

"The hour of the Pig has come!". Boas leituras ;)

Comentários

Anónimo disse…
Discordo em relação a Utopia, o qual gostei bastante mas concordo plenamente em relação à arte de Quitely. Sempre que vejo a forma como ele coloca as onomatopeias na própria acção que as cria, como o "ssssssSSSSSSH PF" do lança granadas, fico com um sorriso nos lábios. Não me importava nada que eles voltassem a tocar em X-Men outra vez daqui a uns tempos...
Mário Freitas disse…
Óptimo, uma boa discordância é sempre salutar. Mas já agora diz-me porque discordas: gostaste da história? achas a "arte" alguma coisa de jeito?

Quanto ao regresso deles a X-Men, parece-me praticamente impossível, visto que o Morrison contou a história definitiva dele (e, se calhar, das personagens) de X-Men e duvido que tenha mais a acrescentar.

De resto, agradecia apenas que assinasses as intervenções, ok? Não sou grande de fã de anonimatos.

Abraço,
Tiago Alves disse…
Utopia foi mesmo mais pela história do que pela arte. Também nunca fui grande fã de Silvestri na verdade. Mas podia ser pior, podia ser o Greg Land como em Uncanny X-Men a traçar pornografia e a passar isso como arte.

Acho que o Matt Fraction está a pôr as peças certas no sitio certo e também já estava na altura de colocar os x-men no contexto de Dark Reign. Tudo bem, que ele parece um pouco pressionado a fazer isso por causa do desenvolvimento do próprio Dark Reign, o qual é suposto passar à próxima fase com o final deste crossover. Isto dos eventos está a danificar a qualidade de vários titulos da Marvel...
Mas, numa visão geral, esta foi uma boa leitura. As caracterizações foram boas na minha opinião e a história promete levar a alguns desenvolvimentos interessantes, especialmente na relação Emma/Scott.
Mário Freitas disse…
O meu problema é que o Fraction é um escritor de grandes ideias, de ideias inovadoras e "out of this world" na linha do Morrison, e este 1º capítulo do Utopia é banal e comesinho. Deixou-me a sensação de ter lido um comic inteiro só com vinhetas repletas de manifestantes virados para o leitor, constantemente no mesmo plano médio. Chato, chato, chato!

E é curioso como, creio que no mesmo dia, saiu o Uncanny X-Men 512, escrito pelo mesmo Fraction, mas desenhado pelo Yanick Paquette, que achei fantástico! Não só a arte é infinitamente melhor, como aquele sim é o verdadeiro Fraction. Quem mais para pôr alguém a fazer do parto do seu próprio nascimento? :D
Tiago Alves disse…
É como já tinha dito, a questão de enquadrar o evento no contexto de São Francisco faz com que muita coisa pareça pressionada. Mas sim, por outro lado no 512 que se não estou em erro nem tem nada a ver com Utopia, mas sim com uma viagem ao passado, ele escreve fabulosamente porque não há pressões, é só pôr cá para fora as ideias e segui-las despreocupadamente sem ter que pensar se isso terá alguma repercussão noutro livro ou história. Por essas e por outras é que coloquei New Avengers de lado...
Mário Freitas disse…
Sim, é essa história mesmo: a viagem do X-Club ao passado. E o melhor desse número é a total acessibilidade dele. Não tenho lido nada da run do Fraction em X-Men por incompatibilidades artísticas (nomeadamente com o Land) e segui perfeitamente a narrativa embora nunca tivesse ouvido falar em metade das personagem que ali estavam.

Quanto a New Avengers, tem aquela "arte", aqueles "desenhos" do Billy "A minha cabeça é minúscula e não está centrada entre os ombros" Tan...
Tiago Alves disse…
:D New Avengers vai ter melhor arte agora que o Immonen vai passar para lá.

Já agora chegou a ler Captain America: Reborn?

Boa leitura mas um pouco desapontante na gimmick usada.
Mário Freitas disse…
Ainda não li, mas pelo que tenho ouvido soa-me muito a "Omega Sanction" e, que eu saiba, o Darkseid ainda não se transferiu para a Marvel.

Quanto ao Immonen, é um belo artista, mas acho-o sempre desenquadrado em comics de super-heróis clássicos, sobretudo escritos pelo Bendis. Há uma coisa que me irrita profundamente no Bendis: eu não acredito que ele escreva especificamente para os artistas com quem trabalha, porque o estilo de layouts das histórias dele são sempre semelhantes, sejam desenhadas pelo Tan, pelo Leinil Yu ou até pelo Frank Cho, um tremendo desperdício nas mãos do Bendis.
Tiago disse…
Em relação a Reborn não diria Omega sanction, mais ao género de Quantum Leap ou Lost.

Gostei do trabalho do Immonem em USM, mas tem razão. Por outro lado Bendis fez um trabalho fantástico com o Maleev no Daredevil.

Mas sim, até o Lindelof usou melhor o Yu em Ultimate Wolverine Vs Hulk.
Tiago Alves disse…
E por falar em desperdicio e Frank Cho esse agora está a fazer New Ultimates com o Jeph Loeb...
http://apesandbabes.com/?tag=jeph-loeb

Nem consigo pôr em palavras o quão masturbatório aquilo vai ser.

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