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A carteira de cromos repetidos

Maio chega ao fim. Foi um mês eclético, cheio de lançamentos, apresentações, salões e festivais mais ou menos micro. E, confesso, estou estafado. Após uma montagem de exposição e de um lançamento estafante, feitos numa dia de chuva impiedosa; depois de dois fins-de-semana bem comidos e bebidos em Beja; e a seguir a uma noitada 50% bedéfila em Oiã, concelho de Oliveira do Bairro, distrito de Aveiro, confesso: estou estafado.

E valeu a pena, perguntam vocês? Talvez. Sim e não, mais correctamente. Vale sempre pelo "conbíbio" (como narrava a anedota), pelas comezainas, copos e larachas trocadas com boa gente como o Pepe, o Lino (quando não amua), o Pedro Moura ou o Zé Carlos Fernandes. Mas falando francamente: será que a BD nacional avança alguma coisa, o que quer que seja, com este tipo de salões e eventos? Pedindo emprestada a brilhante analogia feita pelo JC Fernandes no BD Jornal, é nítido que o mundo da BD portuguesa caberia numa colecção de 200 cromos bem contadinhos. Mas a situação é ainda mais grave, acrescento eu: chego às vezes à conclusão que, nestes certames mais pequenos (Beja, Moura, "Aveiro"), o número de autores e críticos presentes chega a ser claramente superior ao número de visitantes. Pior ainda: estes visitantes são quase sempre os mesmos, pelo que se os autores e outros que gravitam à sua volta cabem perfeitamente numa caderneta de 200 cromos, então os visitantes parecem caber numas poucas carteira de cromos, mais grave ainda, numas poucas carteiras cheias de cromos repetidos.

O divórcio permanente entre estes eventos e as populações locais parece incontornável e irremediável. Dando o exemplo do recente Micro Festival de "Aveiro", verificou-se que, a partir do final das sessões de autógrafos, o evento morreu enquanto festival de BD. Os presentes entretanto chegados à discoteca (local do evento) mais não queriam que beber os seus copos e abanar os seu capacetes, e os poucos que terão percebido estarmos perante uma festa de BD olhavam para a banca da Dr.Kartoon como boi para palácio. Em resumo: muito boa vontade, mas uma incapacidade permanente para atrair público. O que fazer contra isso? Confesso que já pensei ter algumas ideias (nomeadamente sobre a forma como as bedetecas estatais deveriam canalizar os seus recursos), mas hoje já duvido seriamente se é possível atrair um público acéfalo e inane que, manifestamente, não quer ser atraído. Safar-se-á, no meio de tudo isto, o eterno FIBDA (Festival blá blá blá da Amadora, para os mais distraídos) que, com todos os seus inúmeros defeitos e mesmo com uma perda significativa de público ao longo dos anos, continua a ter gente, continua a ter visitantes, continua a ter compradores. Nos outros lados? Cabem todos numa carteirinha de cromos repetidos.

Comentários

Anónimo disse…
Cheira-me que se calhar chegou a altura de apostar numa coisa mais comercial e deixar a cultura pros cultos.
Ou seja, em vez dum festival fazer uma Con a sério, que sempre atraíria mais público.

Ou será que não?
Mário Freitas disse…
O mal não está nos nomes que se dão às coisas, Bruno. Este Micro Festival de Aveiro até era bastante comercial na sua essência. O problema é este: como atrair mais público, se esse público adicional não existe?

O mal começa muito antes das designações mais ou menos pomposas que se dão aos eventos; começa naquilo que é editado, nomeadamente naquilo que são as opções das bedetecas estatais. Nesse particular, até haverá gente que acha que aquilo é para gente culta, porque não percebe os conteúdos ("como não percebo, isto deve ser genial"). Mas não poderia discordar mais: sou uma pessoa culta e muita daquela verborreia pseudo-intelctualóide insulta-me pela vacuidade e pela completa ausência de qualquer conteúdo palpável narrativo ou artístico.

E enquanto se continuar a tentar passar isto às pessoas como BD, continuar-se-á a alienar potenciais leitores e potenciais visitantes de festivais, de salões ou daquilo que lhe queiram chamar.

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